O dia havia sido frio e a noite não era diferente, pra falar a verdade era pior, era como se cada átomo do ar tentasse suprimir o que havia de calor em seu corpo.
Os queixos dos que não estavam acostumados tremiam, e os pelos de seus corpos se arrepiavam, mas para os que nasceram naquele mundo, o frio era apenas mais um ingrediente da noite, como se fosse uma das muitas cores de uma pintura, uma nota de melodia, um instrumento de uma orquestra, uma parte indispensável do cenário… Quando o frio estava presente os corpos eram forçados a ser buscar e a se unir, pois embora houvessem meios mais eficientes de se aquecer, nenhum deles era tão gostoso quanto o calor originado da união de dois corpos em êxtase em uma noite de amor.
O bar estava cheio, um grupo começa a tocar um tango de Astor Piazzola, para ser mais exato era o Libertango, uma canção que falava uma língua universal capaz de ser compreendida por todos os seres humanos de todas as latitudes.
Seus olhares se cruzaram naquele instante, um instante que era capaz de dizer muito mais que mil epopéias. Os olhos eram tudo o que importava, e palavras se fossem ditas poderiam significar apenas ruídos sem sentido que diminuiriam um pouco a importância daquele momento único.
Eles haviam se cruzado algumas vezes na rua, se olhado de forma rápida e sorrateira, mas naquele instante, após seus olhares se cruzarem, seus corpos entenderam e obedeceram prontamente, e se dirigiram um ao outro de forma magnética.
O primeiro contato se deu por suas mãos ao tomarem posição para iniciarem aquela dança, e naquele instante, seus corpos vibraram como se houvessem sido tocados por uma força descomunal da natureza e eles precisavam manifestar essa força de alguma forma.
E a dança começou de forma lenta e bem marcada, olho no olho o tempo inteiro, e o mundo foi sumindo a cada passo, só restando eles dois e nada mais. Seus corpos se mexiam em sintonia, em uma harmonia que nem mesmo o melhor dos maestros conseguiria impor ao melhor dos conjuntos musicais.
Eles e o tango, se tornaram elementos de uma pintura única, onde a beleza do mundo se manifestava com perfeição em uma de suas muitas formas que raramente as pessoas de davam conta, mas todos que estavam lá não conseguiram permanecer imunes a algo tão sublime.
Era dito através de seus corpos, que eles haviam sido feitos para aquele momento, e que se o mundo acabasse naquele instante, teriam cumprido a sua finalidade com primor. Os olhos dos presentes estavam atentos e não se desviavam por um instante, até mesmo os que estavam de passagem paravam para olhar, era como se eles fossem o umbigo do mundo, e de certa maneira eram sim, até mesmo os músicos incrementaram a sua performance ao reparar naquele casal dentre tantos que dançavam ao seu som.
Todos que estavam lá se sentiam privilegiados por presenciar algo como aquilo, nem mesmo eles faziam a mínima noção do que faziam, só o faziam e pronto.
Até que em um momento em que a canção não podia mais ser estendida além do que havia sido, com muito pesar os dois se separaram sem desviar o olhar, haviam pertencido um ao outro, não numa concepção possessiva que era o senso comum de se pertencer, pois haviam reinventado a concepção do que era pertencer, de uma maneira muito especial seriam um do outro para sempre, pois um momento como aquele jamais seria esquecido.
Fizeram amor sem fazer sexo, e todos que estiveram lá foram voyers.
Mar del Plata, Argentina. Julho de 2016.
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